Filha da rua
[lat. amor -ōris, affine ad amare].
Voltar ao trabalho, esse acontecimento futuro me dá ânsia no presente. Será que meu companheiro cuidará bem das pequenas, a louça estará lavada quando eu chegar em casa?
O que é o amor se não, dizer, eu sei que você está passando por isso, estou aqui. Um simples te entendo, sem uma conversa longa, duas vidas que já se conhecem da tanto.
/pe·ri·pa·tè·ti·ca/
Eu costumava andar muito por São Paulo, mas muito. Se não a pé, de bicicleta. Filha da rua. Tenho mapas mentais de lá até hoje. Sem saudade, levo na memória das pernas.
E existe de verdade memória muscular. É o que a gente usa para amarrar cadarços.
Hoje ia passar a tarde sozinha com as meninas. Montei acampamento, saímos uma hora e meia antes de abrir a nossa biblioteca. A Dália estava caindo de sono, mas a Viola já tinha dormido de manhã. Enquanto dormia uma, a outra ficava acordada em revezamento. Comprei frutas, deixei a Dália brincar com mini peras, ela deu uma mordida em cada uma, sua irmã dormia. Qualquer banco de praça é minha casa, parei em um para dar leite.
A cada passo que a gente dá, ocupa o cérebro. Amplia. Não tem outro jeito de dizer sem ser no conceito clichê. De fato amplia. Nossa mente é do tamanho do quanto os nossos passos caminham.
É muita pena que nossa casa está ficando pequena. O clima não anda muito acolhedor, hoje foi o primeiro dia bom e já estamos em setembro. Julho e Agosto foram meses quentes de merda no hemisfério norte. Estamos ficando sem casa. Ninguém sabe como explicar isso aos filhos.
XINGU
Vi o filme do Cao, 2011, foi dolorido, difícil. Gostei muito. Foi difícil porque sei o que aconteceu no Covid, porque sei que aquilo lá tá sempre em ameaça.
Quando gosto de uma obra, dou um Google. Apareceu essa entrevista.
Quando vi a Maria Flor na tela, esperava que ela ao menos tivesse algumas falas, mas não. Ela parece uma coadjuvante. 2011 gente, que doideira. Esse também não passaria no teste de Bechdel.
Então reproduzo um trecho da entrevista para dar voz a essa mulher real que no filme não tem voz.
Marina, a única representante do sexo feminino que atuou de forma sistemática no parque, na sociedade machista dos anos 1960, e teve seu trabalho reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
PLANETA – E qual é a sua história, d. Marina?
MARINA – Fui convidada pelos irmãos Villas Bôas, logo depois de criarem o parque. Me mudei em 1963 para organizar o ambulatório e cuidar da saúde dos índios. Não tinha ninguém, era eu e eu no começo. Foram dois anos até a Escola Paulista fazer o convênio e começar a atuar. Morei lá até 1975, vim para São Paulo para os meninos estudarem, e íamos para lá nas férias. Nos primeiros momentos no Xingu, visitávamos todas as aldeias uma vez por semana de avião teco-teco para ver a situação geral. Se alguém precisava de atendimento na hora, atendíamos na aldeia mesmo, com um kit que criei, ou levávamos para o posto. O resultado foi excelente. Passamos quatro anos sem um óbito infantil. Faltava muita orientação na parte de higiene em relação ao recém-nascido.
[ˌossesˈsjɔ:ne] ...
Aprendi a escrever com Emmanuel Carrère. Li Yoga sete vezes. Me ensinou a falar verdades e dizer que tudo é verdade mesmo se for mentira. Entendi a autoficção e a escrever sem vergonha.
Parece que sairá um filme, baseado em seu livro Limonov, tentei ler, não gostei, também não gostei muito de Outras vidas que não a minha, achei entediante. Em Yoga gosto do tom absurdamente pessoal, a abertura de feridas, o alinhavo da história.
Parece também que seu próximo livro se chamará “Quase tudo sobre minha mãe” sobre a política francesa, especialista em Rússia Hélène Carrère d’Encausse, como o negócio aqui é naïve, não sei mais detalhes. Espero que tenha o tom de Yoga, abrir feridas e tal.
Iconografia
Como designer, me envergonho de não fazer boa iconografia pros textos. Hoje no passeio tirei essas fotos pra vocês.